Macalé três vezes em Sergipe
- Luiz Eduardo Oliva

- 21 de nov.
- 4 min de leitura
Jards Macalé, o FASC e a Praça São Francisco: há meio século a caixa de ressonância da
cultura brasileira

O ano era o de 1976. O Tropicalismo estava na sua primeira década e estávamos há quatro de dois acontecimentos marcantes do ano de 1972: o lançamento do impactante “Transa” considerando o melhor disco de Caetano Veloso, gravado na Londres da época dos Beatles, e a primeira edição do Festival de Arte de São Cristóvão que seria um divisor de águas da cultura sergipana. Pois que naquele ano um grupo de estudantes de direito da Universidade Federal de Sergipe, para participar do Projeto Mauá, viajou para o Recife. Eu e o amigo Jorge Lins estávamos na caravana. Lá fomos a um show de um artista já icônico Jards Macalé. Em êxtase com o show fomos depois ao camarim e lá propusemos a Jards levá-lo ao Teatro Atheneu em Aracaju para duas apresentações e ele e seu empresário toparam. Havia da nossa parte um misto de irresponsabilidade, euforia e vontade de fazer.
Jovens de vinte e poucos anos sem nenhuma experiência no ramo empresarial musical o resultado foi que não cuidamos devidamente do equipamento de som (escassos e mal-ajambrados). O show era voz e violão. Macalé tinha ido “passar o som” e o que viu foi uma tosca aparelhagem, duas caixas e dois microfones e uma mesa de terceira. Aborrecido quando me viu chegar ao Atheneu para acompanhar a passagem de som, soltou a palavra que é chave de boa sorte no teatro, mas ali era impropério mesmo: “Você é um merda!!! Merda!!! Tudo isso é merda! Não vim a Aracaju para passar vexames”. Macalé tinha razão. Mas culpa também teve o empresário dele que prometeu providenciar o som com um conhecido quando chegasse em Aracaju, não providenciou e conseguimos aquele equipamento precário.
Macalé não realizou o show daquele primeiro dia. Plateia cheia, ele dedilhou alguns acordes, explicou a situação precaríssima e disse que os ingressos seriam devolvidos para constrangimento nosso e do público, mas que estaria disposto ao dia seguinte desde que providenciássemos um som decente. Dia seguinte problema sanado e Macalé realizou um espetáculo a altura da sua genialidade com a casa cheia.
Para se ter uma ideia da dimensão desse artista basta dizer que ele foi o arranjador do disco “Transa” aqui já referido e também foi o guitarrista de todas as faixas. Gal Costa não teria feito tantas coisas que a consagrou como uma das maiores cantoras da MPB não fosse Macalé seu primeiro escudeiro (É dele com Waly Salomão “Vapor Barato” um dos maiores sucessos de Gal) assim como foi um dos impulsionadores da carreira de Bethânia nos primeiros momentos da grande artista baiana. Macalé voltaria a Sergipe mais duas vezes: nos anos 80 pelo projeto Pixinguinha, também no Atheneu e depois no Festival de Arte de São Cristóvão em 1990.
Nesse ano coube a mim coordenar o FASC. Eu era o Diretor do Centro de Cultura e Arte da UFS, criadora do festival. Pedi ao compositor Lula Ribeiro, que morava no Rio, que me indicasse nomes expressivos da MPB que estavam fora do circuito comercial. Lula indicou cinco e topei todos: Tunai, Sebastião Tapajós, Maurício Tapajós, Cláudio Nucci e ele, Jards Macalé. No FASC me desculpei com Jards pelo episódio 14 anos antes no malfadado dia do show que não houve. Ele deu boas gargalhadas e prometeu: “Vou me desdobrar para fazer um show hoje também pelo que dia que não houve”. E fez.
Essa semana o país se despediu de Jards Macalé com todas as merecidas homenagens. Caetano lembrou que sem Macalé “Transa” não teria existido. Uma legião de artistas postou nas redes rasgados elogios colocando Jards Macalé no patamar de um dos maiores artistas da mais brilhante geração da nossa MPB.
Esse fim de semana está se realizando mais um Festival de Arte de São Cristóvão, que pontua como o mais importante festival do gênero no país desde 1972. Há mais de meio século Sergipe recebe no FASC a “nata” da cultura brasileira. Nomes como Macalé, Nelson Cavaquinho, Dona Ivone Lara, Moreira da Silva, Arrigo Barnabé, Carlos Lyra, Gilberto Gil, Margareth Menezes, Lenine, Daniela Mercury, Luiz Carlos Vinhas, Marina Lima, Baiana System, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes, Pato Fu e Liniker, Samba do Arnesto, Alcides Melo, Cataluzes, Joésia, The Baggios, Joubert Moraes, Bel Borba e Chico Pereira na pintura, e Jorge Amado, Ariano Suassuna, Wally Salomão, Jomar Muniz de Brito na literatura, e Clyde Morgan, Balé Stagium, Primeiro Ato na dança e tantos e tantas para falar os que me vem à memória.

Na Praça São Francisco, patrimônio da Humanidade, cobrindo (infelizmente) o magistral Convento São Francisco, está o imponente palco João Bebe Água. São Cristóvão, com sua arquitetura colonial, suas igrejas e campanários, com sua gente generosa, continua a sua vocação de ser uma das principais caixas de ressonância do que há melhor na cultura sergipana e brasileira. Mas não só na praça, nos ateliês, nos palcos de teatro, nos salões de literatura, no cinema, no folclore, nas manifestações livres nas suas ruas, a cidade que é um museu a céu aberto nos diz: “Sim Sergipe tão pequeno em dimensão territorial é inegavelmente um gigante no fazer cultural”. Para Estado nenhum do país botar defeito.
Foto principal: Pedro Paulo Koellreutter / Reprodução.
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amigo, tive o privilégio de iluminar o espetáculo, pois fui o iluminador dos dois projetos PIXINGUINHA, com a Diretora Denise Griming! parabéns Luís Eduardo Oliva,vc sempre relembrando boas lembranças!!!
Deveriam montar em uma das praças o circo Amoras e Amores para apresentação de grupos iniciantes e karaoke bons tempos
Matéria excelente e importante para o resgate de nossas memórias.