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"Ave Maria no morro": da rejeição ao acolhimento imenso

Atualizado: 2 de mai.

Trio de Ouro: Nilo Chagas, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins

“Ave Maria no morro”, uma canção de Herivelto Martins que foi composta e teve o primeiro lançamento fonográfico no mesmo ano, 1942, tem uma história bastante curiosa de alternância entre rejeições iniciais e um surpreendente acolhimento.


Era comum na época, compositores que atuavam nos bastidores do mercado fonográfico nacional, trabalharem em parceria. Grande parte das canções eram estruturadas em duas partes distintas e combinadas.


Há muitos relatos daquele período, de compositores que criavam a letra e a melodia para a primeira parte de uma canção e ofereciam parceria para a composição da segunda parte. Isso aconteceu com “Ave Maria no morro”.


Após esboçar os primeiros versos e uma frase melódica inicial, Herivelto procurou o parceiro Benedito Lacerda e o convidou para concluir a canção. Segundo consta no Dicionário Cravo Albin e em outras fontes, Lacerda rejeitou o convite e argumentou que era “música de igreja” e não ia “dar dinheiro”.


Herivelto não desistiu. Concluiu a composição sozinho e partiu para a produção do primeiro lançamento fonográfico da canção. Esse primeiro fonograma foi lançado no suporte goma-laca, em um disco de dez polegadas, para 78 RPM, na interpretação do Trio de Ouro (foto).


O Trio de Ouro foi um conjunto vocal com grande visibilidade na história da música popular e do mercado fonográfico brasileiro. O conjunto teve diferentes formações. Quando do lançamento original de “Ave Maria no morro”, o Trio de Ouro contava com o próprio Herivelto, Nilo Chagas e Dalva de Oliveira.


No calor desse primeiro lançamento a canção recebeu acolhimento popular, mas, enfrentou uma rejeição institucional severa. O então arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal Leme, considerou a canção uma heresia e chegou a pedir a proibição.


É possível que essa repressão inicial, vinda de uma instituição religiosa à época com um amplo e influente poder de orientação sobre a população brasileira, tenha ofuscado a canção nos primeiros anos de vida. Após o lançamento em 1942, somente em 1950 aparece um segundo fonograma, na voz de Nelson Gonçalves.


Entretanto, daí para frente e até as primeiras décadas dos anos 2.000, a circulação de “Ave Maria no morro” por meio de novas regravações é surpreendente, tanto pela quantidade quanto pela diversidade de artistas envolvidos.


Apenas para fornecer um mosaico ilustrativo, destaco algumas versões: Trio San José (Espanha, 1959); Wilson Simonal (Brasil, 1970); The Cats (Holanda, 1975); João Gilberto (Brasil, 1991); Andrea Bocelli (Itália, 1994); Scorpions (Alemanha, 1995); Celina Pereira (Cabo Verde, 1998); Gal Costa (Brasil, 2003); Agnaldo Rayol (Brasil, 2006) e Zucchero (Itália, 2012).


A canção relata cenas de devoção religiosa, mas, não é só isso. Estudos recentes na área de Ciências da Religião chamam a atenção para expressões mais profundas de espiritualidades, presentes tanto no canto quanto na sonoridade de “Ave Maria no morro”.


A recente releitura acadêmica da canção busca demonstrar um elo entre os simbolismos espirituais profundos e o imenso acolhimento desdobrado no tempo.


Já a grande quantidade de regravações, oferece uma imensa diversidade de experiências auditivas possíveis com “Ave Maria no morro”.


Sim, estamos falando de uma canção da música popular brasileira que tem bastante afinidade com tudo que aqui tratamos. Recomendo a audição!


Foto: Trio de Ouro (Nilo Chagas, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins). Carlos. Coleção Herivelto Martins. Acervo MIS. Facebook MIS / Reprodução.

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