Titãs desde a Grécia até Atalaia
- Carlos Eduardo Calvani
- 19 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de mar.

Acabo de retornar de uma reunião de oração que me tocou profundamente.
Trajeto curto – duas quadras de minha casa, na orla de Aracaju. Show dos Titãs em comemoração aos 170 anos de capital sergipana.
Deve ser a idade… estou chegando aos 60 e Titãs tem tudo a ver com o final de minha adolescência e início de juventude, quando participava de reuniões de oração religiosas na igreja que frequentávamos e, curiosamente, algumas sensações eram fenomenologicamente semelhantes.
Voltei com o corpo dolorido e a alma em êxtase. Corpo dolorido pelo tanto que pulei, dancei, rodopiei, o que resultou em um inchaço no joelho e o peito ofegante (deve ser o cigarro). Mas a alma estava em êxtase.
Devem ser reverberações do que estou recuperando de leituras sobre Corpoética e Pnêumica, sob o impacto dessas releituras, enquanto caminhava mancando para casa, interpretei ter vivido uma experiência pnêumica e corpoética... mexeu com meu corpo, mas também com minha alma.
Já tive oportunidade de escrever um capítulo sobre os Titãs em minha tese de doutorado em 1998 (há 27 anos). Hoje, ao participar do show lembrei o mito da Titanomaquia (título do 7º álbum da banda, lançado em 1993).
Titanomaquia é o nome dado à guerra/batalha travada pelos jovens Titãs, liderados por Cronos, contra os deuses do Olimpo, liderados por Zeus. Sabemos que os Titãs perderam a batalha e foram lançados ao Hades.
Assistir ao show dos Titãs é como reviver a titanomaquia... Após a canção de abertura, Sérgio Brito se desculpou com a plateia pela ausência de Tony Belloto, informando que o colega está enfermo. Está com câncer de pâncreas e será submetido a uma cirurgia. Tem 64 anos.
A formação inicial dos Titãs brasileiros começou a sofrer baixas com a saída de Arnaldo Antunes para seguir carreira solo como poeta/compositor/cantor em 1992. Depois Marcelo Fromer faleceu em um acidente de trânsito em 2001. Novas baixas vieram com as saídas de Paulo Mikos, Charles Gavin e Nando Reis para desenvolverem carreiras-solo e projetos pessoais. Restaram Sérgio Brito, Tony Belloto e Branco Mello.
Tony Belloto está enfermo e passará por cirurgia. Branco Mello está rouquíssimo em decorrência de cirurgia para tratar câncer na laringe. Ainda assim, continua dignamente honrando sua vocação, cantando com a voz rouca e irreconhecível. É triste ouvir pessoas ao meu lado no show dizendo (sem saber) que o cara está rouco... sim, está rouco há 4 anos, e ainda assim, mantém seu corpoético ativo e sua pnêumica vibrante para manter com dignidade a batalha dos titãs...
O show teve momentos clássicos. Pulei, dancei e vibrei cantando “Polícia para quem precisa de polícia”, “Homem primata, capitalismo selvagem”, “Bichos escrotos” e outras. Mas aos primeiros acordes de “Epitáfio”, meu corpo já cansado arriou no banquinho de praia e meditei na letra da canção: “Devia ter amado mais… arriscado mais… complicado menos, trabalhado menos… me importado menos com problemas pequenos…”, e depois com “Marvin” (sobretudo porque minha esposa chora muito com essa canção, lembrando o pai dela e eu sou daqueles que não pode ver alguém chorando que me contagia).
Chorar em show de rock certamente é coisa de velho. Mas não é choro de dor ou tristeza, e sim de sensibilidade aguçada. O choro é uma das muitas manifestações da inteligência do corpo. Choremos pela revelação semiótica proporcionada pelo que nos toca mais profundamente.
A Titanomaquia continua em curso… tal como no mito, os Titãs estão perdendo a batalha. Zeus conseguiu dispersar alguns para carreiras solo, conseguiu tirar a vida de Fromer, e pelo jeito está atacando ferozmente Tony Belloto e Branco Mello.
Ainda assim, no show de hoje, os velhos Titãs que sobraram, cantaram “caos” (canção de Rita Lee e Roberto Carvalho) – “Sou hippie das antigas, do velho e bom paz e amor, no cano da arma, ponho uma flor, e quando ela me aponta, eu berro: Hay gobierno, soy contra”) e continuaram a insistir “Polícia para quem precisa de polícia”.
Momentos assim me fazem sentir miticamente participante da Titanomaquia, tal como quando adolescente, sentia-me participante da luta de “deus contra o mal” nas reuniões de oração das quais participava.
Hoje sei que certas batalhas estão perdidas… dos titãs míticos o único recuperado por Zeus foi Cronos, condenado a reger nossas vidas, como um traidor… mas a batalha continua…
Enquanto eu ainda pensava na frase final da canção “Epitáfio” (o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído), Branco Mello anunciou a última canção, curiosamente de Roberto e Erasmo: “É preciso saber viver”.
Realmente, é preciso saber viver. Não sei quanto Cronos me resta, mas posso testemunhar que, corpoéticamente retornei do show como retornava das reuniões de oração: revitalizado, energizado, pneumatizado e acreditando que ainda há lutas pelas quais vale muito lutar.
As batalhas prosseguem. A Titanomaquia sempre fará surgir novos titãs em diferentes âmbitos. Zeus é implacável e sempre nos vence.
Porém, mesmo que certas batalhas sejam perdidas, o acaso nos protege enquanto andarmos distraídos.
Foto: Titãs / Divulgação.
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