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Salve o Ylê Aiyê e a cidade da Bahia

Atualizado: 13 de fev.

Beleza Negra do Ylê Aiyê

Nesse primeiro final de semana de novembro, circulou pelas redes sociais um vídeo com a festa em comemoração aos 50 anos do Bloco Afro Ylê Aiyê. Quem primeiro me enviou o link foi o baiano Lula, já há muitos anos morador de Aracaju.


A abundância virtual de baianidade me trouxe à memória uma longa história de idas e vindas, situações inusitadas, dores e delícias que venho vivendo há décadas em aproximações com a cidade da Bahia.


Sim, é isso mesmo. Se hoje todos dizem Salvador, antigamente falava-se “cidade da Bahia”. Uma distinta senhora baiana, do extremo sul do estado, me contou e Caetano relembrou em uma das faixas do LP "Cores, Nomes".


Primeiro sonhei com a Salvador cantada na infinidade de canções que passam por Ary Barroso, Dorival Caymmi e vieram desaguar em João, Catano, Gil e toda baianada nova, de nascimento ou coração.


Um dos primeiros livros que li inteiro, de cabo a rabo, foi “Suor” de Jorge Amado. Tudo isso misturado – palavras, sons e outras mumunhas mais – me fizeram acreditar que o meu destino passaria pela cidade da Bahia.


Desde a imaginação inicial até o dia de hoje, percebo agora, era verdade o meu predestinado enroscamento com a nossa vizinha Salvador. Um agitado relacionamento, sempre alternando encanto e desalento.


A primeira ida foi para fazer inscrição no vestibular de arquitetura na UFBA. Rodoviária, Terminal da França, Elevador Lacerda, Rua Chile, Avenida Sete, Canela… Me impressionou ver as pessoas lendo o jornal A Tarde dentro dos ônibus.


Nos primeiros bate e volta, ao todo, devem ter sido duas ou três viagens. Numa dessas fui apresentado ao estudante de jornalismo Luciano Correia, refestelado na suntuosa residência universitária da Avenida Sete. O conterrâneo garantiu lá a minha hospedagem para os dias de prova.


Fomos então fazer o vestibular eu e a minha namorada Rosa. Eu saí de Aracaju e ela de Paulo Afonso. Foram poucos dias de uma temporada inicial de delícias. Pelas mãos de Rosa fomos até os confins do farol e pedras de Itapuã.


Não quero ficar preso a datas. Quero apenas contar acontecimentos, sem me importar em precisar o que veio antes ou depois. Levei pau no exame da UFBA e no ano seguinte entrei na UFS. Tudo parecia acabado com a Bahia.


Mas veio o carnaval em que eu, a amiga Vilma e uma prima dela resolvemos pular o muro. Fomos para a BR-101 esticar o polegar e pedir punga para Salvador. Foram sete caronas de ida e não sei quantas de volta.


No meio da escuridão noturna, um caminhoneiro nos deixou na beira da estrada e apontou a direção. Depois de uma tenebrosa caminhada pelas ribanceiras, avistamos uma muvuca. Alguém disse que ali era São Caetano. Vi, naqueles dias, o Chiclete com Banana quando o Índio tocava guitarra.


Teve a vez que fui com Vicente Coda, Gabriela Caldas, Nem e Sinha: essa era a formação da banda de rock Fome Africana. Abrimos um show no Teatro Gamboa. Depois, andamos nas ruas do Campo Grande pela madrugada, escoltados por punks da Bahia.


Gabriela conhecia um cara chamado Estigma, que morava no Pelourinho. Fomos parar no cafofo do valentão, ele entupiu meu prato com pimenta. Levei um beijo na boca da produtora Rose, de uma intensidade jamais vista.


Nos tempos em que morei em Brasília, trabalhando na briosa PRF, era “sagrada” a operação de apoio aos baianos durante o carnaval. Saíamos da capital federal em comboio até a boa terra. Numa dessas, por total falta de alternativa, toda a guarnição foi hospedada em um motel.


Tiveram as idas na companhia do amigo Danilo Duran, nascido e criado em privilegiado endereço no Rio Vermelho. Certa vez ele me procurou enlouquecido por volta do meio dia. Precisava ir em Salvador e a CNH estava vencida. Fomos em ponto de bala, era dia 02 de fevereiro.


Em dado momento resolvi fazer o “batizado” soteropolitano da minha filha Lúcia Helena e do meu sobrinho Diogo. Ficamos hospedados em um hotel próximo ao Aeroclube. Bati perna o quanto pude com os dois, fizemos tatuagens de rena e cortei o cabelo com Oliver, de novo no Pelourinho.


Seguindo uma paquera iniciada em Caldas do Jorro, fui apresentado aos encantadores jazz e pôr do sol no Solar do Unhão. Outra vez, numa viagem afobada, fui com Cassiana Borges assistir a um show de Arnaldo Antunes na concha acústica do TCA e recebemos o aconchego da amiga Paulinha.


Já com 50 no lombo, quando achei que estavam encerradas as minhas aventuras por lá, eis que veio o mais encantador dos tempos: o tempo no qual armei barraca no Rio Vermelho e desfilei pelos quatro cantos da cidade levado pelas mãos de uma nova paixão.


São tantas coisas que não é possível contar tudo de uma só vez… Praia do Buracão, show de Omara Portuondo no Largo da Mariquita, Fonte Nova, dois de fevereiro no cortejo puxado por Ana Dumas, muito cinema no circuito sala de arte, sorvetes na Ribeira, almoço no Boca de Galinha…


Num ano que não lembro qual, fomos assistir a 38ª Noite da Beleza Negra do Ilê Aiyê, na ladeira do Curuzu… Em 2020, mais um adeus. Impossível não lembrar dessas coisas todas vendo o vídeo dos 50 anos do bloco.


Agora, hiberno em relação a Salvador. Mora lá o querido amigo Saulo Carneiro, colega de ginásio aqui em Aracaju, no “John Kennedy”. Ele hoje coordena na UFBA um grupo de pesquisas em Cosmologia e em Gravitação Quântica; e é pai do Lorenzo. Temos apalavradas visitas mútuas.


E quem há de dizer que meu destino não passou pela cidade da Bahia? Ó paí, ó… Hoje tenho até um genro baiano!

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