Para quem acha que literatura é coisa de difícil acesso, esse livro mostra o contrário. Iniciar a leitura da publicação de estreia do escritor Duarte Filho é uma experiência que se assemelha a sentar ao lado de um amigo, sem pressa, e ouvir dele boas histórias. Para reforçar o clima de coloquialidade, o autor, em tom despretensioso, começa narrando curtíssimos fatos de relevância afetiva para ele: o amor e a convivência com a neta Marina; uma breve alusão ao Quincas Borba de Machado de Assis; a herança religiosa vinda do pai; a valoração da amizade… e por esse caminho, sutilmente, vão se aproximando as narrativas mais maturadas. São cônicas ambientadas no agreste sergipano e arredores (uma sub-região do Nordeste Brasileiro), que tanto descrevem a paisagem natural e o contexto cultural de meados do século XX, quanto revelam aspectos da interioridade dos personagens envolvidos. Retrospectivamente, o autor reflete sobre as vivências narradas e dialoga com as percepções colhidas durante as sucessivas fases da vida, desde a infância. Assim, os textos alcançam diferentes temporalidades e transitam entre ambientes rurais e urbanos. Na crônica “Uma casa de farinha: farinhada”, por exemplo, emerge com leveza e realismo uma diversificada ritualização, envolvendo trabalho e festa, reunidos no entorno daquela atividade produtiva, desdobrada em seu aspecto de socialização. Livro impresso. Editora ArtNer, 2025. 68 p.
Opiniões sobre o livro:
“Ao modo de escritores reconhecidos como grandes no decorrer do tempo, Duarte Filho fez uma estreia simples, concisa e sem espalhafato. A leitura desperta o interesse por um próximo volume.” Iza Rocha (no site Articulistas em rede).
Trechos do livro:
“Sua irmã, Tia Porcina, era direta em suas ações e palavras: pessoa prática, clara e presente; perguntava sempre de forma direta e sobre os assuntos que em geral ninguém gostava de comentar, as intrigas da família” (p. 19-20).
“A caça era abundante na região ainda muito bem preservada e era comum, em conversas de fim de tarde no alpendre da casa grande, histórias de onças pardas, a tão conhecida sussuarana, que eventualmente abatia um bezerro ou outra criação qualquer” (p. 29).
“Cabia a Cândio minha integridade física quando eu dizia a Mãe Zezé que ia pescar no riacho. Nesse dia, cedinho, Cândio já se achava na casa grande à espera de minhas vontades. Não sei bem se para se livrar de mim ou pela impossibilidade de me deter, ainda no dia anterior, Mãe Zezé mandava chamar Cândio e lhe preparava para essa árdua tarefa no dia seguinte. Eu me sentia ‘o dono’. Chapéu de palha na cabeça, camisa de quadros com mangas viradas, calça dobrada na bainha, um par de botas e uma varinha com anzol e linha” (p. 30-31).
“Via-se de tudo, falava-se de tudo, de todos e sobre tudo; sempre foi impressionante para mim um dia de farinhada. A farinhada começava e só acabava quando toda mandioca daquele roçado fosse processada. Isso poderia levar dias ou mesmo semanas” (p. 39).
“O forró começava por volta das cinco da tarde, sem previsão para acabar. O som se espalhava morro acima e à medida que escurecia o eco tomava conta dos quatro cantos, anunciando o pé de serra” (p. 45-46).
“Era por essas horas que nós, crianças, nos aproximávamos e elas nos abraçavam, puxando-nos entre seu colo, e sobre suas saias rodadas, fazíamos cama. Elas nos cobriam com as mesmas saias, que eram imensas e ali, nesse aconchego, acabávamos por dormir, pois de tanto se danar já estávamos exaustos” (p. 48).
“Em frente ao Cemitério da Cruz Vermelha, aqui em Aracaju, na pracinha, no mês de junho, época de São João, montava-se um barracão de palha imenso e ali, inúmeros trios Pé de Serra se apresentavam noite adentro, até o amanhecer” (p. 58-59).
“Um homem de estatura baixa, sério, de poucas palavras, embora divertido no seu modo de ser. Preciso e irretocável na comunicação, utilizava um português corretíssimo e de fácil entendimento” (p. 67-68).
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R$ 50,00Preço
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